Internacionalizar em segurança

Por: Nuno Ferreira – Gestor de Negócio Internacional

Passam-se este ano duas décadas desde que dois acontecimentos promonitórios ditaram aquilo que tem vindo a ser a história económica do Século XXI. Se sobre o ataque de 11 de Setembro ao World Trade Center em Nova York – símbolo do capitalismo universal -, já pouco há a acrescentar, poucos anteviriam a revolução que a entrada da China na Organização Mundial do Comércio em Dezembro de 2001 representaria nos anos seguintes. A partir de então surgiram novas tendências a nível global e Portugal deparou-se com um duplo desafio: (i) ultrapassar a sua periferização quer no contexto europeu, quer nos centros de decisão da economia global e, (ii) furar o cerco em que a sua economia se encontra no contexto das relações económicas internacionais solucionando a sua falta de competitividade. Isto para não falar nos efeitos da pandemia Covid-19.

A necessidade de implementação de uma estratégia nacional com vista à superação deste duplo desafio passa pela existência de um Estado reformista e moderno, que coloque as empresas nacionais como o principal motor do desenvolvimento, modernizando-as, incluindo-as no processo de digitalização da economia e, cada vez mais, internacionalizando-as. Alguns passos têm sido dados neste sentido, onde se destacarão os programas promovidos pelo IAPMEI (com particular destaque para o Portugal 2020), mas muitas empresas nacionais ainda se deparam com dificuldades quando se vêm a braços com o tema da sobrevivência num mercado global, onde muitas vezes questões de ordem financeira prevalecem como um obstáculo à concretização de novos negócios. A boa notícia é que existem soluções.

Apesar da turbulência sentida no sector financeiro nacional, os bancos portugueses têm-se revelado bons parceiros na actividade internacional das empresas portuguesas, apoiando-as com aconselhamento especializado e uma oferta ampla, constituída por um conjunto de produtos e serviços adequados, nomeadamente na cobertura de risco cambial e de crédito. Aos instrumentos financeiros existentes para apoio às exportações, vulgarmente conhecidos como trade finance, os bancos têm vindo a desenvolver uma extensa rede de bancos correspondentes e um conjunto de acordos com bancos e instituições multilaterais como por exemplo com o International Finance Corporation (Grupo Banco Mundial).

Olhando para as soluções de trade finance, o primeiro desses instrumentos financeiros para apoio às exportações são as Remessas Documentárias. Nas remessas de exportação procede-se ao envio dos documentos financeiros e/ou documentos comerciais negociados entre exportador e importador para cobrança. Nas remessas de importação, o banco efectua a cobrança do valor da documentação. Trata-se de um serviço rápido e eficiente garantido por uma vasta rede bancária internacional.

Contudo, quando estamos perante oportunidades que requerem maior segurança nas transacções e procuram potenciar a consolidação de novos relacionamentos comerciais com fornecedores estrangeiros, os créditos documentários serão a solução mais indicada. Aqui, o banco procede à confirmação de créditos documentários de exportação mediante a boa conformidade dos documentos apresentados pelo exportador. Se o prazo do pagamento for diferido, o beneficiário poderá negociar com o seu banco o desconto do montante. Nas operações de importação, o banco efectua pagamentos a terceiros, ou paga efeitos comerciais sacados pelo beneficiário do pagamento, ou autoriza que tais pagamentos sejam efectuados, aceites ou negociados por outro banco, contando para isso com a sua rede de bancos correspondentes.

Voltando aos acordos com as instituições multilaterais, os mesmos destinam-se a promover as exportações de empresas em mercados não tradicionais e com risco mais elevado, através da cobertura parcial/total do risco político e financeiro, constituindo uma forma segura de negociar as condições de pagamento com as empresas importadoras e de assegurar o pagamento do valor das exportações. Estes programas, muitas vezes chamados de trade finance facility programs, nos quais os bancos nacionais participam como bancos confirmadores, permitem efectuar operações na maioria dos mercados emergentes com a cobertura a concretizar-se através de instrumentos como cartas de crédito, stand-by letters of credit e garantias bancárias (bid bonds e/ou performance bonds), entre outros.

Existem, também, várias linhas de apoio à exportação sectorial de bens e serviços nacionais específicas para diferentes países. De igual modo, poderão existir operações em mercados de maior risco que justificam a existência de linhas de crédito destinadas ao financiamento de grandes operações de exportação de bens de equipamento e/ou serviços sob a forma de crédito ao importador, eliminando o risco país e o risco de crédito para o exportador nacional.

Se até aqui a tónica tem incidido principalmente no apoio às exportações, outras necessidades existem que justificam diversas soluções de financiamento destinadas a facilitar o negócio com parceiros internacionais tais como (i) financiamentos de curto prazo à tesouraria associado a exportações ou importações (facturas, pagarés, remessas livres), (ii) financiamentos de médio e longo prazo ao investimento para criação, expansão ou modernização da capacidade produtiva ou comercial e I&D e inovação e outras finalidades, e (iii) financiamento de projectos no estrangeiro, em países onde os bancos nacionais marcam presença directa ou noutros com quem mantêm parcerias.

Quando o tema é a cobertura de risco, os parceiros financeiros deverão apresentar opções para garantir os recebimentos das vendas e proteger a empresa de variações desfavoráveis, tais como seguros de crédito, cobertura de risco de taxa de câmbio e cobertura de risco de taxa de juro. Se na primeira situação existem seguradoras como a Cosec, a Coface ou a Crédito y Caución (para dar alguns exemplos), as segunda e terceira normalmente são enquadradas na oferta dos bancos com quem as empresas mantêm a gestão do quotidiano.

Para as empresas cujo processo de internacionalização implica uma presença para lá das fronteiras nacionais poderá ser necessário prestar garantias ou avales internacionais, nomeadamente garantias de boa execução (performance bonds), para concursos (bid bonds) e para pagamentos antecipados (advanced payment bonds) que os bancos nacionais poderão prestar directamente ou através da sua rede de correspondentes no estrangeiro. Se, por seu turno, uma empresa abriu uma filial, sucursal ou subsidiária noutro país, então poderá dar-se o caso de necessitar de abrir conta num banco local e efectuar pagamentos para o estrangeiro, bem como recebimentos oriundos do exterior e outras necessidades de crédito, processo que poderá implicar a exportação da actual relação que mantém com o seu banco em Portugal para uma nova instituição financeira nesse país.

Todas as situações acima referidas encaixarão em diferentes momentos da actividade internacional de cada empresa. Porém, para negócios em expansão internacional, existem soluções de capital de risco (como a participação temporária no capital da empresa) e de Banca de Investimento (como fusões & aquisições, mercado de capitais ou project finance) que poderão adequar-se mais aos processos de internacionalização de cada empresa.

Assim, independentemente do momento que cada empresa atravesse na sua abordagem ao mercado global, é fundamental a familiarização dos empresários com estes instrumentos de apoio ao negócio internacional por forma a aproveitar as oportunidades que o comércio externo possa representar para as suas empresas. A globalização pôs o turbo no capitalismo mas continua a ser necessário conduzir os negócios além-fronteiras em segurança.

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